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Uma afro-latina em Nova Iorque

Do que tenho que te chamar? Latina ou afro-latina?

Você tem um nome, não é? Que tal me chamar pelo meu nome também? Viviane, Vivi, Vi, prazer. 

Quando fui para os Estados Unidos pela primeira não esperava receber esse tipo de pergunta. No Brasil, nunca me perguntaram se eu era brasileira ou afro-brasileira. Eu sempre me declarei como negra e pronto. 

Uma breve introdução: o que é colorismo?

O termo “colorismo” teve seu surgimento em meados de 1982, usado pela escritora Alice Walker, no seu livro “if the present looks like the past, what does the future look like?”. É usado para diferenciar as tonalidades da pele negra, do tom mais claro ao tom mais escuro. Essas tonalidades da pele negra também permitem a inclusão ou a exclusão na sociedade, acesso à oportunidade, relações de trabalho, relacionamentos afetivos, entre outras facetas.

Minha experiência com o colorismo nos EUA

Nos Estados Unidos, basicamente você tem de especificar muito bem de onde você veio, sua árvore genealógica inteira e suas origens. No Brasil, temos uma mistura de etnias: por exemplo, eu tenho descendência africana, indígena e europeia, mas nunca me declarei afro-euro-ameríndia. Isso até soa estranho, pedante. Muitas pessoas negras brasileiras não têm a mínima ideia de onde suas famílias vieram, muitos documentos foram destruídos, queimados, deturpados.

Para mim, sempre fui negra e sem mais. No entanto, nos EUA eu não era negra o suficiente, no máximo, “mixed”, algo como “miscigenada”.  Não só por causa do tom de minha pele, mas pelo cabelo cacheado e meus traços. Eu não era negra o suficiente, fui chamada de “patricinha da pele clara”, mas também não estava próxima à sociedade branca norte-americana.

Racistas não me perguntam se tenho descendência europeia, indígena ou o que quer que seja. Os seguranças, que me seguem fielmente nas lojas, não ligam para isso. Pergunto-me: deveria ser tratada diferentemente por ser “miscigenada”?

Esse colorismo entre os de pele clara e de pele escura é cansativo. Eu senti como eu não pudesse ser os dois: era latina/afro-latina ou negra. Os dois não dava para ser. Era uma dicotomia, como dia e noite; claro e escuro, triste e feliz. Parece que o fato de me considerar afro-latina apagava o fato de ser negra.

Outra coisa era que mesmo morando numa comunidade negra em Nova York, eu não podia usar certas gírias e não estou falando de “N word” (nigga, um termo altamente racista e destrutivo), eu não podia usar “ebonics” (um termo que originalmente se destinava a referir-se à língua de todas as pessoas descendentes de africanos). Enfim, pelo fato do colorismo havia uma separação: “isso você pode, mas isso você não pode, porque sua pele não é tão escura”. 

Consequências do colorismo

A partir dessa vivência que tive nas comunidades negras dos Estados Unidos, como Bronx, Harlem e Brooklyn, percebi que o colorismo acabava criando uma rivalidade entre as pessoas negras de pele clara e as de pele escura. O sentimento que eu percebia era de injustiça, que fortalecia a falsa ideia de que as pessoas de pele clara não seriam negras o suficiente para ter lugar de fala em certos contextos, porque “teriam acesso a muitas oportunidades”.

O colorismo nos faz acreditar que a sociedade disponibiliza oportunidades, mas ele só classifica quem possui a pele mais escura e mais clara, ou seja, atua como um “negrômetro”. Isso me lembra as divisões de atividades no contexto da escravidão: o negro dito como da “casa grande” e o da senzala, quando na realidade ambos não se apartavam da condição de escravo. 

Nessa lógica, significa que quanto mais clara a pele de uma pessoa negra, menos ela sofrerá, mais oportunidade terá e mais próxima estará da elite branca. Nos EUA, me declarando latina ou afro-latina, por ser brasileira, eu era tratada de uma forma diferente, “exótica”, que me afastava da comunidade afro-americana, me objetificava, até mesmo ser questionada por participar de protestos, como o “Black Lives Matter”.

Essa experiência nos Estados Unidos me mostrou os efeitos do colorismo nas vidas das pessoas negras vindas de países latinos, como ele afeta a nossa autoestima, os relacionamentos afetivos e o nosso lugar de fala. Não só isso, o colorismo é um instrumento letal da sociedade racista na manutenção de espaços exclusivamente brancos, porque camufla o racismo vigente não só nos EUA, mas no Brasil. 

Negar, esconder, maquiar, embranquecer, separar. Até quando?

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