No Brasil, o mito da democracia racial coloca as pessoas negras como culpadas pelas margens sociais em que vivem. Se consideramos que o nível de escolaridade de pessoas brancas influenciam e condizem com suas rendas, no caso, de pessoas negras isso não acontece. Ainda que estudem e se qualifiquem, o salário não será condizente aos diplomas que possuem.
Nesse sentido, o mito da democracia racial encobre o racismo estrutural vivido pelos negros no Brasil, já que, se somos todos iguais, a culpa por não ascender socialmente e ter condições necessárias para sobrevivência é culpa do próprio negro que “não trabalhou o suficiente” ou “não se esforçou devidamente”.
Assim, como nos explica Lélia Gonzalez, em seu livro “Por um feminista afro-latino-americano”, o negro seria o principal culpado pelas mazelas ao qual é submetido. Segundo ela, o racismo não é só efetivo, mas também cultural, já que normaliza e enraiza o fato de pessoas negras realizarem trabalho subalternos e desvalorizados pela sociedade.
Pensar futuros possíveis e dignos para pessoas negras é, muitas vezes, um desafio, considerando o panorama atual da sociedade brasileira, que é composto majoritariamente por pessoas negras e jovens, que sem perspectivas de trabalho, colocam-se a mercê das margens, sem nenhuma perspectiva de futuro. Nesse sentido, o afrofuturismo é uma corrente estética, que coloca pessoas negras como protagonistas de suas próprias histórias, reformulando os lugares que a elas foi atribuído. “Afrike: poesia além do tempo” tem como objetivo refletir e provocar: até que ponto nosso afrofuturo é otimista?
Enquanto mulher negra, escrever sobre afrofuturismo é reformular nosso presente, mas também é Sankofa: jamais se esquecer do passado. A poética de inspiração afrofuturista afirma a presença negra no futuro da Ciência, das artes, da tecnologia e das diversas formas do saber.
Como o presente se faz tão palpável e violento, refletir sobre realidades menos dolorosas para homens e mulheres negras é uma utopia. Com qual capacidade criaremos mundos e dimensões diferentes quando o presente é tão massacrante? E, se pensarmos, como escreveremos e publicaremos obras sobre essas realidades criadas em nossos imaginários, se nossa rotina é tão exaustiva?
Não vejo o afrofuturismo como ficcão, esse conceito de ficção criado e atrelado a uma não realidade. Sinto que essas realidades são futuros possíveis.
O afrofuturismo nunca será somente ficção, pois é uma olhar no passado, trazido para o presente, que reformula o futuro.
São realidades possíveis, que talvez tenham acontecido em algum espaço no tempo.
Sankofa: volte para buscar.